segunda-feira, 6 de junho de 2011

* SAUDADES DO MENEGHETTI


          Houve um tempo, principalmente na cidade de São Paulo, em que Gino Amleto Meneghetti, um solitário imigrante italiano, levava à loucura toda a polícia paulistana e deliciava a população que lia nos jornais as notícias de seus roubos espetaculares, prisões e fugas cinematográficas.

          Nessa época a cidade era monótona, provinciana e úmida de garoa. Foi o palco principal desse anti-herói que, à noite, com perícia felina, escalava muros e paredes e arrombava janelas com agilidade e destreza incomuns. Seus alvos, na ausência dos donos da casa, eram jóias e dinheiro. Mas na falta desses um jarro de cerâmica ou um cinzeiro de cristal estavam de bom tamanho.

          Não usava armas, nem violência... apenas o silêncio da noite, a ousadia e a vontade férrea de roubar. Usou arma apenas uma vez quando, acuado pela polícia, fez vários disparos a esmo, apenas para intimidar, mas acabou atingindo um comissário de polícia que morreu a caminho do hospital. Pegou 43 anos de prisão, cuja pena foi comutada para 25, mas ficou preso apenas 19. Solto... voltou a roubar, sendo preso e solto muitas outras vezes durante anos até que, em 1968, tentou roubar uma casa na Vila Mariana. Surpreendido, fugiu pelo telhado mas deu azar. O telhado  cedeu aos seus pés e ele afundou com telhas, madeiras e reboco... caindo no banheiro da casa sob os olhares espantados e assustados dos donos.

          Estava então com 81 anos! Ficou 11 meses preso e, depois de solto, tentou ainda mais um golpe, ao roubar uma casa da rua Fradique Coutinho. Mas foi flagrado por um carcereiro que por ali passava e prendeu-o. Meneghetti estava sem documentos e foi somente na delegacia que esse carcereiro e o delegado, atônitos, descobriram quem era o velhinho que estava sendo preso. Consta da crônica policial da época que Meneghetti, entre resignado e sereno, teria declarado ao delegado: “Não é possível ser um bom ladrão sem ter os ouvidos em bom funcionamento. Acho que terei de me aposentar."

          Deu seu golpe final em 1975, aos 98 anos, morrendo no Hospital Samaritano e levando sorrateiramente no bolso do paletó duas de nossas jóias mais preciosas: nossa paz e a doce ilusão de que os ladrões que viriam depois seriam como ele... românticos, desarmados e inofensivos.

          Realmente... doce ilusão e amarga realidade!

          Hoje os marginais não são mais solitários... hoje eles são pequenas peças, pequenas engrenagens que movimentam a poderosa máquina do crime organizado. Se não fazem parte dela, pelo menos ajudam a azeitá-la. Lemos o jornal ou assistimos às reportagens na TV e não rimos mais de gatunas  peripécias como aquelas do Meneghetti... mas ficamos chocados e horrorizados com a crueldade e sangue-frio dos criminosos da atualidade.

          Eles não vacilam ao tirar a vida de alguém por causa de um maço de Malrboro ou por um par de tênis. São capazes de arrastar pelas ruas em disparada o corpo de uma criança, presa a um cinto de segurança, por quilômetros... apenas para roubar um carro. Incendeiam ônibus com passageiros dentro. Com suas armas modernas, assaltam delegacias e matam policiais. Eles não têm medo da morte, nem da vida, nem de nada... e estão soltos por aí!

          Nós é que estamos aprisionados em nossas próprias casas que, por medo, somos obrigados a ficar atrás de grades que, longe de proteger, apenas desafiam os criminosos. Temos medo de andar a pé à noite ou parar nosso carro no sinal vermelho pois até aquele “flanelinha” que nos vem pedir uma moeda nos assusta! Sim! Temos medo de uma criança que nos vem pedir uma esmola... é demais!

          Recentemente li uma entrevista dada por Marcola, um dos grandes chefões do crime, ao jornal O Globo na coluna do Arnaldo Jabor. Mais do que uma entrevista, aquilo me soou como um alerta tenebroso de que “estamos diante de uma espécie de pós-miséria, que gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, Internet e armas modernas.

    Como ratos e baratas, eles proliferam assustadoramente saindo pelas brechas deixadas por um desenvolvimento caótico e desorganizado. Eles são uma nova espécie, uma terceira onda de mutantes sociais que nascem no lodo da sociedade, se educam na ignorância e tiram o diploma na cadeia. Grande parte deles, como cruéis marionetes, acaba sendo controlada, remotamente, pelos milionários QGs do crime como o PCC e CV sob a égide da multinacional do pó. “Meus comandados...” diz Marcola em sua entrevista “... são uma mutação da espécie social. São fungos de um grande e sujo erro!”.

    Enquanto isso, lá longe, em alguma esquina da eternidade, Meneghetti está esperando por uma oportunidade pra bater a carteira de algum anjo desavisado!

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