terça-feira, 21 de junho de 2011

* O PAI DA MOÇA





            Eu sou do tempo em que, quando se quisesse namorar uma garota com plena liberdade pra chegar depois da meia noite, tinha-se de passar pelo vestibular paterno. Ou seja, tinha de encarar o coroa com ele encarando sua cara e, com a cara e a coragem, abrir o verbo. Então ele segurava os suspensórios com os dois polegares e media você de alto a baixo, de cabo a rabo e fazia uma sabatina que sempre começava e terminava com aquela pergunta:
            ___ Mas você ainda não me disse. O que você faz pra ganhar a vida?
            Não se esperava que ele perguntasse isso de novo! Na primeira vez até dava pra se safar com um acesso de tosse e uma pergunta paraquedista:
            ___ Quanto foi o jogo do Guarani e da Ponte lá em Campinas?
            Mas na segunda vez... sem escapatória. Podia-se até, ao cruzar as pernas, chutar “sem querer” aquele vasão com flores de plástico em cima da mesinha de centro pra desviar a atenção mas... não seria uma boa idéia! Já começar um namoro dando prejuízo...
Ele ficava, então, olhando e esperando uma resposta que não podia ser qualquer uma! Mesmo falando a verdade, tinha de ser uma resposta bem construída... em segundos! Você não podia, por exemplo, simplesmente dizer... Sou boy lá no Bradesco! Não! claro que não! A gente tinha de impressionar o pai da mina!
___ Trabalho em equipe de multifunção encarregada da distribuição de informações e execuções de pagamentos para uma grande organização bancária!
            Com essa ele até tiraria o jornal da frente do rosto e você descobriria que ele usava bigode e tinha uma verruga no queixo.
            ___ Guiomar... traz uma cerveja pra mim e um café pro moço aqui!
            Estava no papo... dali uns dias você poderia até chegar, ganhar um beijinho da dona Guiomar, abrir a geladeira se quisesse e mandar ver uma caçulinha da Antarctica.
            Mas a coisa complicava um pouco quando, em vez de pedir a mão em namoro, tinha-se de pedir a mão em casamento. Verdade! Eu sou do tempo que a gente tinha de pedir a mão da moça pro pai dela. Na hora H, você podia até tentar quebrar o gelo com um momento de descontração...
            ___ Na verdade, “seu” Hipólito, não é só a mão que me interessa... eh! eh! eh!...
            Se ele risse junto com você, tudo bem! Meio caminho andado! Caso contrário, você tinha de mudar a estratégia rapidinho com um mentirinha leve...
            ___ Inclusive meu pai tem umas cabeça de gado lá no Pantanal...
            Era muito boa essa... bem longe pra não dar chance de ir conferir...
            ___ Gerusa... traz uma cerveja pra mim e outra pro moço!
            Mesma sorte não teve o Dorival, coitado, personagem de uma história antiga! Depois de namorar a Lili por mais de 3 anos, decidiu encarar o coroa. Eles namoravam na varanda da casa (no meu tempo tinha varanda!) e, naquela noite, a Lili dissera que o pai estava de bom humor e que seria uma excelente oportunidade para entrar e pedir a mão dela. Um beijinho de boa sorte e lá foi ele pra dentro da sala. O pai dela estava sentadão no sofá e o coitado do Dorival nem pôde ver o rosto do velho... escondido atrás do Estadão.
            ___ Dá licença, “seu” Olavo...
            ___ Grumpf! ___ foi o que saiu de trás do jornal.
            ___ Er... bem, o senhor sabe, eu e a Lili... bem...
            ___ Grumpf!
            ___ Três anos já, né “seu” Olavo... er... bem...
            ___ Grumpf!
            ___ Acho que já está na hora... o senhor sabe... casamento!
            ___ Quanto você ganha por mês?
            Pobre Dorival! A pergunta, em voz de trovão, atingiu-lhe o queixo como a um jab de direita. Mas ele não deixou a peteca cair:
            ___ Bem, “seu” Olavo... com os descontos dá pra tirar 675 reais...
            “Seu” Olavo nem abaixou o jornal:
            ___ Isso não dá nem pro papel higiênico da minha filha!!!
            Indignação! Foi o que sentiu o coitado que, lentamente, se levantou e caminhou em passos miúdos de volta pra varanda. Lili veio ao seu encontro, ansiosa:
            ___ E então, Dodô... falou?
            Dorival que vinha de cabeça baixa... levantou o olhar para a namorada e não pode dizer nada, a não ser...
            ___ Sua... sua... cagona!

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