terça-feira, 13 de setembro de 2011

DEIXEM EM PAZ MEU CORAÇÃO!




           

                    
             Em tempos de Internet, e-mails, Messenger, Facebook… tem uma coisa que realmente me incomoda! Não estou falando desses Power Points repletos de mensagens de amor, amizade, frases célebres, reflexões e orações que, se eu fizer, alguma coisa boa vai me acontecer às ... e que eu tenho de repassar para 15 pessoas em 15 minutos senão... tô ferrado! Também não estou falando daqueles vídeos curtos que mostram bebês gargalhando quando rasgam um papel; ou do cara que não tem os braços e toca violão; ou do gordinho que vendia celulares e virou cantor de ópera; ou do moleque que morreu porque tomou coca light e chupou uma bala Mentos... não!
            Estou falando daquele bendito... “um beijo no seu coração!”.
            Alguém aí faz idéia do que significa isso? Está bem, está bem... trata-se de um gesto de carinho, afeição, amizade, amor por parte daquele que está desejando um beijo no coração de alguém. Não duvido! Mas tem de ser no coração? Aliás, entre os meus, sempre há quem me deseje um beijo no meu coração. Quero que saibam que todo esse amor e carinho é recíproco... mas sem beijo no coração, por favor! Reconheço também que o coração, a despeito de ser esse músculo pulsante de duas aurículas e dois ventrículos que recebe e bombeia sangue, é considerado também a sede do sentimentalismo humano, das emoções e blá blá blá... tudo bem! Mas daí querer beijar o dito cujo é demais! Mais coerente seria desejar “um beijo no seu cérebro” que é de onde realmente partem nossas emoções. Olha... sempre que me desejam um beijo no coração, claro, agradeço coisa e tal. Mas no momento não consigo imaginar outra cena senão a de alguém segurando o bichão na mão, ainda batendo cheio de sangue, e smack... lascando um beijo! Pra mim, beijo no coração é coisa de cirurgião cardiologista tarado!
            Para mim não existe coisa mais amorosa do que um beijo... seja ele na boca, no rosto, nas mãos, na nuca, na sola dos pés... não é lindo? Tive um amigo que tinha enorme prazer em beijar uma verruga que a mulher dele tinha no queixo. Entre a verruga e o coração sou mais a verruga! Aliás, na minha opinião, o corpo humano nasceu pra ser beijado... mesmo nos lugares mais excêntricos! Mas sempre do lado de fora, por favor! Do lado de dentro a coisa fica nojenta demais, sô! Com exceção da língua, que é o único órgão que está por dentro e que merece ser beijado.
Ainda bem que a moda não pegou e esses beijos asqueirosos ficaram só no coração. Já pensou, em se tratando de alguém bom de garfo e chegado numa comilança, como não ficaria a saudação?
            ___ Aí Bolão... boa sorte pra você e um beijo na sua boca!
            ___ Qualé, meu... tá me estranhando?
            ___ Boca do estômago, quis dizer...
            ___ ah! Tá... brigado, véio... pra você também!
            Agora... se o infeliz que receber a saudação for chegado numa manguaça, fico só imaginando...
            ___ Obrigado, senhor presidente... agradeço muito! Tudo de bom para o senhor também e... um beijo no seu fígado!
            Não quero nem comentar como seria a saudação de um ginecologista ou de um urologista para os pacientes. Quer mandar um beijo num lugar diferente? Já faz tempo, alguém inventou um negócio superlegal chamado Beijunda... um beijo na bunda! Incrível! Acho que não há demonstração mais enfática de carinho, amor e, porque não dizer, de exóticos desejos... do que mandar um beijo na bunda de alguém! Se eu tivesse a chance de mandar um beijo pra Juliana Paes vocês acham que iria perder tempo em mandar um beijo no coração dela? Ainda mais com aquela bunda maravilhosa que ela tem... pois sim!
            Portanto, a todos que desejam me mandar beijos, deixo à inteira disposição todas as partes desse corpo maravilhoso que eu tenho; da careca ao meu calcanhar. Mas no coração, não! Deixem-no em paz porque já chega ele ter de ficar batendo sem parar que, confesso, sempre bate mais forte quando eu penso em todos aqueles que me amam!
             A todos... beijundas...       

domingo, 10 de julho de 2011

* AMOR IMPOSSÍVEL


Esta é uma pequena história de um amor muito bonito, muito antigo... mas muito triste também. Antigo, porque esse amor nasceu como nascem as coisas que são eternas; e bonito... bem, porque bonito é todo sentimento de amor. Mas nesta história, o amor é muito mais do que isso... é extraordinário, extravagante e... impossível! Por isso é uma história cheia de mágoa, aflição e desespero. Todas as manhãs ele acorda pensando nela. Por isso levanta radiante, brilhante e, com tanto amor a dar, ele se torna bonito, importante, majestoso... contagiando a tudo e a todos com esse amor insuperável. Assim, cheio de esperança, ele sai em busca de sua amada. Mas após um dia inteiro de procura inútil e atormentado pela ausência dela, ele se vai... deixando para trás a escuridão de sua tristeza. Não percebe que na treva deixada pelos seus passos brilha, ainda tímida, uma luz prateada. Nesse momento ela surge... cintilante, graciosa, apaixonada... e de tanto amar ela também se faz bonita e importante. Por uma noite inteira, ela também procura intensamente por ele, inspirando amor e ternura... mas ao fim da jornada, desiludida por não encontrá-lo, ela também se vai... triste... sem perceber o crepúsculo dourado que fica para trás. Não sabe ela que é ele que vem chegando... ela vai, ele vem e assim será por toda a eternidade! Não poderão jamais se encontrar, se abraçar e fazer explodir em luzes douradas e prateadas esse amor tão bonito, tão incrível que só ele, o Sol; e só ela, a Lua; num repentino milagre cosmológico, poderiam viver... uma pena!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

* O MILAGRE DA VIDA





             Certa vez uma semente de Pitanga, jogada pelo vento na terra, olhou para o Sol e disse:
             ___ Sol... você que brilha no Universo, dando luz e calor para todos nós, continue brilhando para que eu possa brotar, crescer e ficar um Pé de Pitanga bem bonito e vistoso.
             Depois de um certo tempo, o primeiro broto do Pé de Pitanga saiu para fora da semente e cravou na terra suas primeiras raízes cresceu e se tornou uma plantinha de folhas bem verdinhas. O tempo passou e o Pé de Pitanga cresceu e se transformou numa bela árvore. Todos os dias ele agradecia a Deus por aquele milagre.
             Um belo dia, apareceram duas Borboletas e deixaram um ovinho em uma das folhas do Pé de Pitanga. Com o passar do tempo esse ovinho foi crescendo e, um belo dia, saiu de dentro uma Taturana cheia de pêlos e patinhas. Como tinha acabado de acordar, a Taturana estava morrendo de fome. Então ela olhou para o Pé de Pitanga e disse:
             ___ Pé de Pitanga... você que, todos os dias, recebe luz e calor do Sol e cresceu até ficar bonito e vistoso, deixe-me comer de suas folhas para que eu possa me alimentar e matar a minha fome.
             Então a Taturana começou a se alimentar das folhas do Pé de Pitanga. Cada folha era uma refeição apetitosa e ela comia, comia e se deliciava com aquilo. Comeu tanto, mas tanto, que ficou gordona, roliça feito um cabo de vassoura. Era bom comer e a Taturana, todos os dias, agradecia a Deus por isso.
             Certa manhã de Sol, quando gotas de orvalho ainda acendiam pequenas luzes nas folhas do Pé de Pitanga, a Taturana parou de comer para ouvir o canto de um bonito Sabiá, que havia pousado num dos galhos. O Sabiá entoou um bonito canto, cuja melodia parecia dizer:
             ___ Taturana... você que está bonita e forte porque comeu as folhas desse Pé de Pitanga, que recebeu a luz e o calor do Sol para crescer e ficar vistoso, deixe-me comê-la para que eu possa me alimentar e a meus filhotes e assim matar nossa fome.
             Rapidamente, o Sabiá prendeu a Taturana com o bico e levantou vôo em direção de seu ninho, onde filhotes esfomeados esperavam aquele delicioso petisco. Foi um banquete daqueles! Era bom comer e o Sabiá, todos os dias, agradecia a Deus por aquele milagre.
             Algum tempo depois, o Sabiá voou para as campinas em busca de alimentos. Era um campo relvoso, onde havia muitos insetos ótimos para a alimentação de um passarinho como o Sabiá. Estava ele voando aqui e acolá, quando de repente... rastejando lisa e silenciosamente surgiu na sua frente uma enorme Cobra. Ela fixou um olhar agudo e penetrante no olhar do Sabiá que, ao mesmo tempo que o hipnotizava, parecia dizer:
             ___ Sabiá... você que tem um canto bonito, que comeu a Taturana gorda e roliça, que comeu as folhas do Pé de Pitanga, que recebeu a luz do Sol para crescer bonito e vistoso... deixe-me comê-lo para eu me alimentar e matar a minha fome.
             Rapidamente abocanhou o Sabiá e saiu rastejando de volta para o seu ninho. Aos poucos e bem devagarzinho, a Cobra engoliu o Sabiá inteirinho e sentiu-se bastante satisfeita com aquela deliciosa refeição. Era bom comer e a Cobra, todos os dias, agradecia a Deus por aquele milagre.
             Passaram-se os meses e, com a chegada das águas, a Cobra achou que nos pântanos formados pelas cheias haveria muitos sapos para garantir a sua alimentação. Rastejou macia e silenciosa pelas touceiras alagadas quando de repente, de trás de um enorme tronco... surgiu rápida e certeira a mão calosa e de dedos fortes de Acauã. O Índio levantou a Cobra presa na altura da cabeça, imobilizando-a. Acauã notou o tamanho da cobra que serpenteava e sorriu. Seu sorriso parecia dizer:
             ___ Cobra... você que tem o olhar agudo e penetrante, que comeu o Sabiá que tem um canto bonito, que comeu a Taturana gorda e roliça, que comeu as folhas do Pé de Pitanga, que recebeu a luz do Sol para crescer bonito e vistoso... deixe-me comê-la para eu me alimentar e matar a minha fome.
             Ali mesmo, Acauã, com seu punhal, decepou a cabeça da Cobra e num corte preciso estripou-a, separando com a habilidade de muitas gerações o couro e a carne. Longe dos alagadiços, o Índio preparou um braseiro de bom tamanho e, com duas forquilhas compridas postas acima das brasas, esticou o couro da Cobra para secar.
             Acauã cortou a carne em pequenos pedaços e jogou-os sobre o braseiro. Com a ponta do punhal ia remexendo os nacos, espetando e comendo aqueles que já estavam assados. Às vezes, olhava para o céu acolchoado de nuvens e uma brisa fresca vinha soprar-lhe o rosto de bronze. De cócoras ao lado do fogo, Acauã mastigava lentamente sentindo-se feliz e saciado. Era bom comer e, olhando para o céu, Acauã agradecia a Tupã por aquele milagre.
             Depois de comer, Acauã decidiu voltar para sua tribo. Enrolou o couro da Cobra e pôs-se a andar. No caminho, o Índio encontrou um Pé de Pitanga com muitos frutos maduros. Encostou na árvore e comeu até fartar-se. Decidiu seguir seu caminho.
             De repente, um vento forte empurrou-lhe os cabelos negros e duros e uma voz, que vinha de todos os lados, de todas as matas, de todos os céus, disse-lhe:
             ___ Acauã... você que comeu a Cobra, que tinha um olhar agudo e penetrante, que comeu o Sabiá, que tinha um canto bonito, que comeu a Taturana, que era gorda e roliça, que comeu as folhas do Pé de Pitanga, que recebeu a luz e o calor do Sol para crescer e ficar vistoso... plante a semente desse fruto, porque assim virão muitos Pés de Pitanga, muitas Taturanas, muitos Sabiás, muitas Cobras e muitos Índios para se alimentar e matar a fome.
             Acauã fez o que foi pedido e, mais uma vez, olhou para o céu e agradeceu por aquele milagre.


(Publicado por Seed Editorial na coleção Contando Ciências de
Aurélio de Oliveira e ilustrado por Irineu Rodrigues)

terça-feira, 5 de julho de 2011

* O QUEIXO


O parto teria sido considerado normal não fosse aquela enorme protuberância que, aos poucos, foi aparecendo na parte inferior do rosto do bebê. O obstetra assustou-se e as duas enfermeiras assistentes recuaram um passo arregalando os olhos. Ao entrar de vez para este mundo o bebê anunciou com um suave vagido que, sim, era um rechonchudo menino e com um queixo enorme! Lá fora, ao perguntar ansioso se era um menino ou uma menina, o sr. Nakamura não entendera bem a resposta:
___ É um menino... mas talvez seja melhor esperar pelos repórteres!
O Queixo tentou nascer Paulo Nakamura… mas já no berçário as enfermeiras se referiam a ele como o Queixo... e Queixo ficou! Seus pais, prósperos japoneses donos de uma pequena holding que conjugava, numa só esquina, uma lavanderia, uma quitanda e uma pastelaria tiveram de levá-lo para casa envolto em dois cueiros... um pra ele e outro pro queixo. Em casa, um primeiro drama... o berço... comportava um bebê, mas não com um queixo daquele tamanho! Tiveram de colocá-lo na cama do casal e os Nakamura, pequenos, jeitosos e pacientes como a maioria dos japoneses, acomodaram-se muito bem obrigado no berço que era destinado ao Queixo. Assim, todas as noites, depois que o Queixo mamava e dormia, os Nakamura recolhiam-se ao berço porque o dia seguinte seria um novo dia de labuta. Mas antes de dormir, o sr. Nakamura sempre brincava com os pequenos móbiles pendurados no berço enquanto a sra. Nakamura brincava com o pequeno...
Bem, o Queixo foi uma criança sadia, bem-comportada e com um inegável talento para a bondade. Mesmo sendo muitas vezes discriminado por pais, mães e crianças ele nunca perdia aquela nipônica suavidade nos gestos e repartia de bom grado com os amiguinhos lanches e brinquedos. Mais tarde, não foram raras as vezes em que ele chegara tarde em casa porque ficara, sentado à beira da quadra, vendo a turma jogar bola. Ficava esperando o jogo acabar porque a bola era dele!
Bem, o Queixo foi crescendo e teria se tornado um japonês normal tipo faixa preta de judô ou primeiro lugar em matemática na USP não fosse o tamanho do seu queixo. Mas não impediu que ele fosse primeiro lugar no vestibular de Física da USP. Dessa forma aquele queixo nem sempre foi um empecilho constrangedor... como quando entrava no elevador e a turma, aos risos irônicos, gritava: “Lotado!”. Muitas vezes era também uma vantagem como quando foi extrair o dente do siso. O dentista só conseguiu tirar fora aquele dentão depois que se levantou e apoiou o joelho no queixo do Queixo.
Na verdade, embora fosse alvo de muitas chacotas, o Queixo era bastante requisitado pela turma da faculdade. Principalmente em dia de prova, quando todos brigavam pra se sentar atrás dele. Com o queixo do Queixo dando cobertura, era a maior moleza “colar”. No futebol de salão, então, feliz era o time que tivesse o Queixo na equipe. Foi, sem favor nenhum, o melhor goleiro que já passou por aquela faculdade... nunca engoliu um gol! Apenas ficava parado entre as traves e, atento ao jogo, só mexia a cabeça para esquerda ou para a direita... a bola batia e voltava para o meio da quadra. O time do Queixo ou empatava em zero a zero ou ganhava. Nunca perdia! Mas quando iam ao Salão de Bilhar dava pena do Queixo. Ele não conseguia jogar porque o queixo atrapalhava na hora de dar uma tacada... então ele ficava apenas olhando, tomando cerveja e a turma anotando os pontos no queixo dele! Na hora de pagar a conta, pagava como se houvesse jogado. Mas ele não se importava... para ele o que valia a pena mesmo era ficar na companhia dos amigos. Nem mesmo com as inevitáveis gozações ele fazia caso! Pelo contrário, ele até gostava. A gozação que ele mais curtia era quando a turma dizia que ele teria de pagar IPTU por aquele queixo. Nunca se queixava... apenas sorria feliz por estar inserido no contexto!
Mas se por um lado o Queixo, à custa de gozação, conseguia ser aceito pelos amigos por outro sequer se imaginava sendo amado por uma mulher. Nunca o telefone tocou com alguém no outro lado da linha chamando-o para um cinema, um teatro ou para nada. Nem mesmo os amigos, a não ser que precisassem de alguma coisa que só o Queixo tivesse. Como dinheiro, por exemplo. À noite, sua única companhia eram as pombas que vinham pousar na janela do seu quarto no alto da lavanderia. Ele trocava, de boa vontade, sua tristeza pelos arrulhos felizes que conseguia com farelo de pão.  Isso fazia dele, nas noites vazias, um rapaz solitário.
Mas um belo dia... e sempre há um belo dia... algo inesperado aconteceu! Ao descer as escadarias do saguão principal da faculdade, o Queixo meio que tropeçou e rolou escada abaixo, jogando para o alto todos os seus cadernos e livros. Só foi parar de rolar no último degrau. Após um miserável segundo de silêncio, o saguão explodiu em risos e zombarias. Em meio àquelas gargalhadas, algumas mãos se estenderam para ajudá-lo a se levantar. Mas o Queixo, furioso consigo mesmo por esquecer um cadarço desamarrado, repelia toda e qualquer ajuda. Os que tentaram ajudá-lo se afastaram penalizados e surpresos pois nunca haviam visto o Queixo com gestos bruscos e zangados. Outros continuavam a rir e a fazer gozações. Extremamente envergonhado, pois sempre fora muito reservado, o Queixo ajoelhou-se no chão e começou, vagarosamente, a recolher livros e cadernos. Alguém ainda apanhou um dos livros caídos e tentou entregar ao Queixo mas ele, taciturno, apenas balançou a cabeça negativamente.
Ainda podia-se ouvir algumas gargalhadas e comentários irônicos quando, de repente, o Queixo sentiu a textura de uma pétala de flor segurar-lhe suavemente a mão. De quatro que estava, levantou a cabeça e, naquele momento, o que viu pareceu-lhe que havia morrido e um anjo viera recebê-lo. Sentou-se e, com uma das mãos, procurou cobrir o queixo. Não quis que aquela anormalidade afrontasse ou ferisse aquele rosto lindo e suave a olhar para ele com olhos ora verdes, ora castanhos... sentiu novamente a mão dela a puxar delicadamente a mão dele de frente do queixo.
___ Posso ajudá-lo?
A voz soou-lhe como a uma música inexplicavel e bonita que, no pesado silêncio que agora reinava no saguão, podia-se ouvir. Meio desajeitado, ele se levantou, contrariando a expressão que diz que mulheres bonitas fazem cair o queixo. Nesse caso, levantou o Queixo que agora pôde então ver melhor a belíssima jovem que, para ajudá-lo, começou a recolher os livros e cadernos espalhados. Aos poucos, foi esquadrilhando a moça com olhar incrédulo... ela trazia botas de camurça, jeans apertados delineando um corpo de formas atraentes, blusa de lã rosa combinando com o gorro da mesma cor que cobria a cabeça. Ela entregou-lhe o último caderno caído... e novamente aquela música suave:
___ Voce tem um nome?
Aquilo parecia um sonho. A qualquer momento acordaria com alguém rindo ou fazendo alguma gozação.
___ Si-sim... Queixo... e o seu?
___ Dumbo... ___ e puxou o gorro.
Um “oh!” em uníssono percorreu todo o saguão. O Queixo estava estupefato! Nunca vira orelhas tão grandes. Mas gastou apenas um segundo para olhá-las... porque, se ela quisesse, ficaria toda uma eternidade somente olhando para aquele rosto de pêssego e para aquele olhar ora verde, ora castanho, cheio de bondade, cheio de... ela segurou-lhe a mão:
___ Vamos?
Ele assentiu e os dois saíram caminhando sob uma inédita aura de felicidade.     
Ninguém mais riu...

quinta-feira, 30 de junho de 2011

*AQUELES FILHOS DA...




Hoje eu acordei meio ecológico, lembrando do que este nosso Brasil é e o que ele foi quando Joaquim Osório Duque Estrada, há quase 100 anos, criou a letra para o nosso  hino.

O texto, entre outras coisas, fala deste país, que vivia deitado em berço esplêndido e era um gigante pela própria natureza. Naquela época, o sol da liberdade era mais fúlgido e brilhava no céu a todo instante. Hoje, de modo impiedoso e irresponsável, devastam essa natureza.

Pena que não existam mais aqueles filhos desta pátria-mãe gentil... para, à beira de algum riachinho, gritar mais alto e libertar esta nossa terra dos tiranos que ainda ousam acabar com o que resta do verde louro desta flâmula! Hoje só existem aqueles filhos da (*) ...

Já estou cansado de ouvir os boçais dizerem que ecologia é coisa de veado! É verdade! Também é de mico-leão dourado, de lobo guará, de ararinha azul e de tantas outras vítimas da inconsciência.

Mas mesmo diante de tanta irresponsabilidade, devastação e  desamor com a natureza brasileira eu não consigo deixar de ser um incorrigível otimista. Ainda espero que os donos do poder preocupem-se com uma ecologia mais humana, mais ampla, enfim uma ecologia para todos.

Assim não precisaremos ser heróicos, nem gritar brados retumbantes... precisaremos apenas de consciência e cooperação. Tenho certeza de que, logo logo, conseguiremos com braços fortes devolver a grandeza que a Pátria nos traz!

Era isso...

domingo, 26 de junho de 2011

* E EU ENTÃO...



Agora eu quero falar sobre mentirosos. Há aqueles que dizem mentiras, mas que pretendem ser verdades; e aqueles que afirmam que é verdade aquilo que, sabemos, não passa de uma mentira deslavada! No final é tudo farinha do mesmo saco. O Quico era assim...
Sempre que o Quico chegava na rodinha de amigos para participar da conversa a turma já puxava o freio de mão com um cochicho: “Putz! Lá vem ele!” e a primeira coisa que ele fazia era se inteirar do assunto sobre o qual estavam falando. Não importava qual era o assunto. Ele interrompia quem estivesse falando e dizia que já tinha passado pela mesma situação e com muito mais intensidade nos fatos e nos acontecimentos. Ele sempre começava assim:
___ E eu então...
Quando ele dizia “E eu então...” podia se esperar de tudo, menos que fosse verdade o que ele iria dizer. Se alguém, por exemplo, se queixasse que tinha passado mal com uma gripe à noite o Quico não deixava por menos:
___ E eu então... tiveram de isolar a minha cama do resto da casa com uma tenda de neoprene. Ninguém podia entrar no quarto... apenas dois cientistas japoneses que vieram especialmente de Kioto porque estavam desconfiados que o virus que havia me atacado era raríssimo, surgido na Segunda Guerra em Hiroshima após a explosão da bomba... disseram que foi uma japonesa lésbica que espalhou o vírus pelo mundo. Fecharam até a rua lá onde eu moro... verdade!
Na rodinha, um olhava para o outro com aquela cara de quem acabou de ver o Bill Gates usando um Macintosh. Mas ninguém questionava. Só o Lilico chegou a perguntar:
___ Como é uma uma japonesa lésbica?
Uma vez o papo era sobre carros, velocidade etc e tal! Um já tinha batido num guard-rail, outro já tinha batido num caminhão de tomates, outro quase capotara na praia, outro... aí cortou o Quico:
___ E eu então... eu tava como aquele Opala verde, lembram dele? Tava descendo a Coronel Diogo, vocês sabem... baita descida, cheia de curvas, tava a mais de 100... quando numa curva fechada eu ouvi um barulho na roda dianteira esquerda. Sem diminuir a velocidade, olhei pela janela e vi que a calota tinha se desgrudado da roda e começou a rodar no asfalto ao lado do pneu. Aí eu fui controlando freio e acelerador, meio que alinhando o pneu com a calota... quando eu vi que estavam alinhados e na mesma direção eu pimba! dei uma guinada no volante e joguei o pneu de encontro à calota e ela zás! encaixou de novo na roda! Verdade...
De novo aquela troca de olhares e todo mundo com aquela cara de quem estava vendo alguém tocando um oboé numa roda de pagode! Pior é que ninguém cobrava nada, não questionava. Só o Lilico...
___ Ainda tô pensando na japonesa lésbica!
Nessa noite o Quico falou também que o avô dele havia ficado sem álcool no carro em plena Ailton Senna de madrugada e tudo que ele tinha era uma garrafa de uísque Ballantines 12 anos. Ele disse que o velho não teve dúvidas! Despejou a garrafa inteirinha no tanque e conseguiu chegar num posto mais próximo. A turma ouviu essa história como quem estivesse assistindo uma aula de Física Quântica ministrada pela Carla Perez. O Quico sentiu que tinha exagerado mas não deixou apeteca cair:
___ Verdade pessoal... o carro do meu avô agora não funciona mais com álcool comum... é só Ballantines 12 anos e olhe lá! Não adianta meter um Drury’s que ele não roda...
Depois dessa, um a um foi deixando a rodinha, dando uma desculpa qualquer, saindo de fininho. O Quico se desesperou:
___ Pera aí, turma... onde vocês vão? Ainda tenho de falar que meu vô teve de mandar o carro dele pro Alcóolicos Anônimos...
Não adiantou. Ninguém mais quis ouvir aquelas mentiras... só o Lilico ainda continuava olhando para o Quico:
___ Me fala mais daquela japonesa lésbica...
Mesmo que a platéia estivesse reduzida ao Lilico, O Quico não perdia a empolgação e a compulsão à mentira:
___ A japonesa? Ora esquece a japonesa... por falar nisso já te contei que os japoneses inventaram um robô-mulher que vai substituir as esposas na vida dos maridos?
___ Verdade? ___ o Lilico era um ingênuo, coitado!
___ Verdade... o robô faz de tudo: lava, cozinha, abre latas, tira rolha de garrafas, passa roupa, lava o quintal e maravilha das maravilhas: faz sexo!
___ Faz sexo? Jura?
___ Juro! Só é preciso tomar cuidado porque atrás é moedor de carne!
Era um incorrigível!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

* O MANÍACO

         Numa ligeira fração de segundo, a primeira e inevitável idéia que lhe ocorreu foi a de levá-la para seu sofá, em seu escritório. Era naquele sofá que ele conseguia fazer transbordar a impetuosidade dos gozos mais extremos, que jorravam da consumação dos seus mais perniciosos e subterrâneos desejos. Foi ali que ele, aspirando hálitos tutti-fruti e ouvindo gritos lancinantes de uma dor inédita, tomou posse de terras intocadas. Foi ali que ele, muitas vezes, aspirando aromas de alfazema e canela, deu asas à sua imaginação onanista e vibrou de prazer, penetrando impiedosamente por cavernas virgens e ouvindo gritos lancinantes e incomuns.
         Sim! Ele a levaria para aquele sofá! Mas, antes, lançou sobre ela um olhar espacial, cuja visão rapinante cobriu maliciosamente todos os quadrantes daquelas pequenas e delicadas curvas. Aproximou as narinas, já ofegantes, e aspirou um perfume envolvente que, de imediato, provocou-lhe um desmedido e voraz apetite. Pensou em agarrá-la, mas se conteve! Tocou-a, deslizando suavemente a ponta dos dedos e sentiu, trêmulo, o viço de uma pele tenra, rósea. Com a ponta da língua, riscou um arrepio de saliva naquele corpo maduro, que lhe trouxe à memória as mais deliciosas e libidinosas lembranças... oh! amores ilícitos, furtivos, transidos de prazer... oh! arrepios arredios de corpos suados, arranhados, viscosos... oh! gemidos doloridos, assustados, estupefatos...
         Segurou-a com a força de mãos degeneradas e num impulso incontrolável jogou-se no sofá agarrado a ela. Dominou-a, subestimou-a e envolveu-a com seu hálito de anteontem e, com seu olhar de ogro que amedronta... mordeu-a! A princípio, apenas uma ligeira pressão de seus dentes naquela pele viçosa. Salivou feito um lobo, lambeu-lhe o sumo adocicado e mordeu-a novamente, mastigando lembranças de frutos proibidos.
         Adorava mastigar e lembrar, mastigar e lembrar...
         Não perderia nunca aquela mania de comer maçã
deitado no sofá...

terça-feira, 21 de junho de 2011

* O PAI DA MOÇA





            Eu sou do tempo em que, quando se quisesse namorar uma garota com plena liberdade pra chegar depois da meia noite, tinha-se de passar pelo vestibular paterno. Ou seja, tinha de encarar o coroa com ele encarando sua cara e, com a cara e a coragem, abrir o verbo. Então ele segurava os suspensórios com os dois polegares e media você de alto a baixo, de cabo a rabo e fazia uma sabatina que sempre começava e terminava com aquela pergunta:
            ___ Mas você ainda não me disse. O que você faz pra ganhar a vida?
            Não se esperava que ele perguntasse isso de novo! Na primeira vez até dava pra se safar com um acesso de tosse e uma pergunta paraquedista:
            ___ Quanto foi o jogo do Guarani e da Ponte lá em Campinas?
            Mas na segunda vez... sem escapatória. Podia-se até, ao cruzar as pernas, chutar “sem querer” aquele vasão com flores de plástico em cima da mesinha de centro pra desviar a atenção mas... não seria uma boa idéia! Já começar um namoro dando prejuízo...
Ele ficava, então, olhando e esperando uma resposta que não podia ser qualquer uma! Mesmo falando a verdade, tinha de ser uma resposta bem construída... em segundos! Você não podia, por exemplo, simplesmente dizer... Sou boy lá no Bradesco! Não! claro que não! A gente tinha de impressionar o pai da mina!
___ Trabalho em equipe de multifunção encarregada da distribuição de informações e execuções de pagamentos para uma grande organização bancária!
            Com essa ele até tiraria o jornal da frente do rosto e você descobriria que ele usava bigode e tinha uma verruga no queixo.
            ___ Guiomar... traz uma cerveja pra mim e um café pro moço aqui!
            Estava no papo... dali uns dias você poderia até chegar, ganhar um beijinho da dona Guiomar, abrir a geladeira se quisesse e mandar ver uma caçulinha da Antarctica.
            Mas a coisa complicava um pouco quando, em vez de pedir a mão em namoro, tinha-se de pedir a mão em casamento. Verdade! Eu sou do tempo que a gente tinha de pedir a mão da moça pro pai dela. Na hora H, você podia até tentar quebrar o gelo com um momento de descontração...
            ___ Na verdade, “seu” Hipólito, não é só a mão que me interessa... eh! eh! eh!...
            Se ele risse junto com você, tudo bem! Meio caminho andado! Caso contrário, você tinha de mudar a estratégia rapidinho com um mentirinha leve...
            ___ Inclusive meu pai tem umas cabeça de gado lá no Pantanal...
            Era muito boa essa... bem longe pra não dar chance de ir conferir...
            ___ Gerusa... traz uma cerveja pra mim e outra pro moço!
            Mesma sorte não teve o Dorival, coitado, personagem de uma história antiga! Depois de namorar a Lili por mais de 3 anos, decidiu encarar o coroa. Eles namoravam na varanda da casa (no meu tempo tinha varanda!) e, naquela noite, a Lili dissera que o pai estava de bom humor e que seria uma excelente oportunidade para entrar e pedir a mão dela. Um beijinho de boa sorte e lá foi ele pra dentro da sala. O pai dela estava sentadão no sofá e o coitado do Dorival nem pôde ver o rosto do velho... escondido atrás do Estadão.
            ___ Dá licença, “seu” Olavo...
            ___ Grumpf! ___ foi o que saiu de trás do jornal.
            ___ Er... bem, o senhor sabe, eu e a Lili... bem...
            ___ Grumpf!
            ___ Três anos já, né “seu” Olavo... er... bem...
            ___ Grumpf!
            ___ Acho que já está na hora... o senhor sabe... casamento!
            ___ Quanto você ganha por mês?
            Pobre Dorival! A pergunta, em voz de trovão, atingiu-lhe o queixo como a um jab de direita. Mas ele não deixou a peteca cair:
            ___ Bem, “seu” Olavo... com os descontos dá pra tirar 675 reais...
            “Seu” Olavo nem abaixou o jornal:
            ___ Isso não dá nem pro papel higiênico da minha filha!!!
            Indignação! Foi o que sentiu o coitado que, lentamente, se levantou e caminhou em passos miúdos de volta pra varanda. Lili veio ao seu encontro, ansiosa:
            ___ E então, Dodô... falou?
            Dorival que vinha de cabeça baixa... levantou o olhar para a namorada e não pode dizer nada, a não ser...
            ___ Sua... sua... cagona!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

*A PRÉ-HISTÓRIA DO BANHEIRO


            A melhor ocasião para se ir ao banheiro é quando se está com vontade! Sempre foi assim... desde os tempos em que o banheiro era qualquer lugar escondido na imensa floresta que os ancestrais do Homem podiam enxergar de dentro da caverna. Portanto, a vontade de ir ao banheiro é bem mais antiga que a invenção do próprio.
            Talvez a necessidade de se inventar um lugar privado para as necessidades mais prementes tenha nascido exatamente nesse tempo, num dia em que, fora da caverna, estava um frio de rachar! Eu imagino o senhor Buga Uga, depois de comer sozinho uma coxa assada de mamute, começar a sentir ligeiras contrações intestinais. Mesmo tendo um cérebro primitivo, ele sabe que aquelas pontadas agudas na barriga é um sinal inequívoco de que se ele não correr, vai dar cáca ali mesmo... em cima do que restou da coxa do mamute e de quem estiver por perto! Então ele corre... mas ao chegar na porta da caverna uma lufada gelada de chuva e neve faz ele parar! Com as mãos ainda peludas apertando a barriga ele arrisca uma exclamação:
            ___ Ugalabuga! (Danou-se!)
            Com os olhos injetados de aflição ele volta para dentro e olha para o resto da tribo que já está de pé cada um com uma clava na mão. Há um murmúrio ameaçador ressoando pelas altas paredes da caverna:
            ___ Trigalá cacá! Trigalá cacá! (Se fizer aqui, a gente desce o porrete!)
            O senhor Buga Uga, então, corre para o canto mais fundo da caverna. Atrás de uma grande pedra e longe do grupo e da fogueira, ele arranca fora a pele de urso que lhe cobre a primitiva área de lazer e agacha-se. O som imitando um desesperado barrido de mamute, como se estivesse ecoando dentro de um tronco oco de árvore, ecoa em toda a caverna, provocando risos na turma que ficou em volta da fogueira.
             Abaixado e com ambas as mãos apoiadas no joelho, o senhor Buga Uga olha em volta e, com um sorrisinho meio besta, ele sente uma espécie de vergonha inaugural. Mesmo sem entender direito, ele percebe um mágico e revelador momento... estavam inventadas duas coisas que mudariam os rumos da humanidade dali pra frente: o banheiro e a constrangedora sonoplastia sanitária. Uma força estranha leva-o ao desejo de registrar aquele momento. Então ele pega um pedaço de pedra lascada e com ela faz inscrições rupestres na grande rocha que o mantém na privacidade.
             Mais uma descoberta: a literatura de parede de banheiro! Aos olhos de um leigo as inscrições pareceriam incompreensíveis, mas um arqueólogo experimentado veria um significado bem maior naqueles desenhos simples e de formato pedagógico.
            De repente, o senhor Buga Uga escuta um vozerio vindo do outro lado da grande pedra:
            ___ Ugaladá! Ugaladá! (Eu também! Eu também!)
            Ainda agachadinho, mas quase que completamente aliviado de suas aflições intestinais, o senhor Buga Uga interrompe sua arte rupestre e grita:
            ___ Jagaladá! (Tem gente!)
            Pronto... mais uma descoberta: a fila do banheiro!
              O resto é história...

sábado, 11 de junho de 2011

* SEXO & CÂNDIDA


O que mais irritava no Ribeiro é que a Selminha não o irritava nunca! Exageradamente ordeira, extremamente compreensiva e completamente apaixonada por ele. Seu closet era uma mistura de irritação e primor! Uma camisa em cada cabide por ordem de cores, as mais escuras na frente e, dentro de cada uma, a gravata com a cor correspondente. Ternos, paletós esportes, blazers, calças. Social de um lado, esporte de outro. Tudo combinando de maneira perfeita e irritante e o que é pior: sentia-se impotente para não concordar com aquele arranjo. Era irrepreensível! Fora aquele aborrecido aroma de alfazema e benjoim! A sapateira era uma constante ameaça à sua paciência! Primeiro estavam os sapatos... engraxados e brilhando! Uma vez espremeu um cravo usando aquele de cromo alemão como espelho! Depois vinham os tênis e, finalmente, os chinelos. Todos os calçados com o cadarço ajeitados caprichosamente dentro de cada um! A gavetinha onde ela guardava as meias parecia uma caixa da Ferrero Rocher... e ele olhava aquelas bolotas bem feitinhas de bombons-meias com ódio mortal.
Sempre à hora da janta era um Deus nos acuda! O prato de porcelana, o guardanapo de linho branco rigorosamente dobrado ao lado. Deve ter usado um esquadro, a desgraçada! Os talheres em perfeito 90 graus com a mesa, a taça para o vinho, outra para água... e para irritar mais ainda a Selminha sempre fazia as comidas que ele mais gostava. Outro dia teve ganas de afogá-la no maravilhoso bobó de camarão na moranga que ela fizera. Só não foi às vias de fato porque estava delicioso! Desgraçadamente gostoso!
Nem a procurava mais para o sexo. Não conseguia sentir tesão vivendo daquele jeito! Mas a Selminha nunca reclamava. Resignada, nunca exigia a menor atenção sexual! Ribeiro andava pelo próprio apartamento como quem estava andando sobre papel de seda. Sempre tinha a sensação de estar dentro de uma matéria da revista Casa Cláudia... e o banheiro então... e o banheiro!!! Meu Deus... nunca tinha coragem de macular aquele antro de assepsia... mesmo nas necessidades mais prementes.
Que inveja que tinha do Brandão, casado com a Denise. A Denise sim é que era mulher... que só lavava a louça quando a última xícara tinha acabado de ser usada! O Pestana também... casado com a Janete! O Pestana dizia que o prato de maior sucesso da Janete era o seu famoso rim chocolatado com creme de banana... uma simples menção e o Pestana já ligava pro restaurante chinês. Vida boa a deles, viu... isso sem falar que tanto o Pestana quanto o Brandão fumavam dentro de casa batendo cinza no carpete e o scambau!
Uma vez decidiu jogar duro com a Selminha. Foi para a sala com uma torrada carregada de geléia de morango e, de propósito, melecou as mãos. Esperou um momento em que a Selminha estivesse olhando e zás! Limpou as mãos na cortina! Quando olhou pra ver a reação da mulher, ela tinha se materializado atrás dele! Estava com um pedaço de papel toalha e um sorriso nos lábios:
___ Que bom, meu amor... eu estava mesmo pensando em mandar essa cortina pra lavanderia. Tome, meu querido... use esse papel toalha... essa cortina está muito suja!
Aquilo foi demais!
Mas um belo dia... e sempre há um belo dia... Selminha, logo de manhã, ao colocar sucrilhos pra ele na tigelinha de porcelana, derramou uma lágrima sentida. Ele, claro, ficou preocupado:
___ Que foi, meu bem? Aconteceu alguma coisa?
___ Sim! Terrível...
___ Conta pra mim, conta... ___ estava paciente aquela manhã.
___ Aquela sua camisa azul da prússia que você comprou em Paris...
___ O que tem ela?
___ Eu... eu...
___ Fala meu bem...
___ Eu... oh! Meu Deus... que desgraça! ___ lágrimas escorriam.
___ Meu bem, se você não me disser...
___ Eu... eu... manchei a sua camisa com três gotas de cândida...
___ O quê???? Você manchou aquela minha camisa???
Ela desabou num choro compulsivo e desesperador:
___ Sim! Sim! Sim! Eu manchei sua camisa... ___ caiu de joelhos e abraçou as pernas dele ___ ... me perdoa, meu amor, me perdoa...
Ele ajudou-a a se levantar e cravou nela o olhar mais terno que ele conseguiu arrumar naquele instante...
___ Meu amor... ___ disse ele ___... isso é maravilhoso! Maravilhoso!
___ Marav...?
Não deu tempo de ela falar alguma coisa... ele, num abraço envolvente, beijou-a na boca como nunca havia beijado antes. Deitou-a na mesa, em cima de sucrilhos, queijo, manteiga, frutas... rasgou-lhe a roupa e amou-a ali mesmo como nunca a havia amado antes. Fechou o zíper, ajeitou a gravata, deu um beijo na mulher e saiu assobiando! Selminha, ainda deitada na mesa, estava com um estranho sorriso nos lábios. Caramba... ele nunca fizera isso com ela! Olhou o moleton rasgado, tirou os sucrilhos grudado nas costas e sorriu novamente! Respirou fundo... uau! A melhor trepada que já dera e, veja só, por causa de uma mancha de cândida!
A partir daquele momento mágico, revelador... as coisas mudariam naquela casa! Os dias foram passando e a pia da cozinha cada vez mais cheia de louça suja... e tome sexo! Seu closet agora era uma zona total, um festival de camisas, camisetas e cuecas socadas de qualquer jeito. Tome sexo! A gavetinha de meias, agora, não tinha apenas meias... tinha chave de fenda, pacotinhos de OB, frascos de remédios, abridor de latas, uma caixinha de Knorr... e tome sexo! A casa recendia a cigarro e bebida... e tome sexo! O Brandão e o Pestana, dizem, quase morreram de inveja...

quinta-feira, 9 de junho de 2011

* EU TE AMEI, PROFESSORA!



Nunca me esqueci
Da primeira vez que a vi.
Primeiro dia de aula e
Você entrou na classe
Deixando cair uma
Folha de planta que
Marcava as páginas
De seu livro.
"Sua folha caiu, professora!"
Disse eu dobrando o
Vigor de minha juventude e
Apanhando a pequena folha.
Nunca me esqueci
Da primeira vez que a vi.
Meus olhos vidraram arregalados.
Minha caneta mordida
Caiu no assoalho e
Meu chicle de bola
Entalou-me a garganta. Engoli!
Nunca me esqueci, professora!
Ainda sinto o chicle
Grudado em minha alma.
Você nos olhou
Com olhos de mestra.
Mas apenas eu percebi
Seus olhos de deusa:
Dois fios de espada
Cortando-me em dois...
Ambos apaixonados, professora!


A partir de então,
Feito um maluco aprendiz
Tomei como prece
Cada palavra sua e...
Comecei a aprender.

Em Português,
Aprendi a ser um
Sujeito oculto,
Cujo melhor predicado
Era ter você como um
Objeto direto.
Você, professora, foi o
Termo essencial de
Todas as minhas orações.
Para mim você
Foi um substantivo
Repleto de adjetivos.
Eu fui apenas o
Verbo amar, com a
Certeza de que não
Seria a primeira
Pessoa a conjugá-lo
Na gramática dos
Seus sentimentos.
Mas eu, sozinho,
Conjugava-o todos os dias.

Em matemática,
Aprendi a vê-la como uma
Grandeza incomensurável
Que, todos os dias,
Reduzia-me a uma fração ordinária.
Irredutível na ânsia de
Vê-la como o mais
Perfeito conjunto de
Elementos fascinantes.
Por sua causa, professora,
Caminhei loucamente por
Figuras geométricas cristalinas,
Sob seus olhos me projetando
Equações simples que,
Mesmo sendo eu o X da questão,
Não conseguia resolvê-las.

Em Ciências,
Aprendi que você foi o
Mais formidável e
Irretocável aglomerado de
Células em movimento.
Um fantástico conjunto
De cabeça, tronco e membros
Que, harmoniosamente,
Geravam calor,
Eletricidade e magnetismo.
Sua voz, professora,
Partia em minha direção
Provocando ondas sonoras
tão envolventes,
Que minhas forças me
Abandonavam e a minha
Lei da Gravidade
Invariavelmente
Caia por terra.
Sem dúvida, entre os
Seres vivos que conheci,
Você foi o mais belo espécime
De mamífero vertebrado.
Mas às vezes, professora,
Você era uma ave a voar
Pelos céus da minha imaginação.
Eu, apenas um réptil
Rastejando em sua sombra.


Em Geografia,
Aprendi que você, professora,
Foi um território precioso,
Formado por planaltos
Ondulados e de
Altitudes modestas.
À noite, meus sonhos me
Levavam a caminhar
Como um lacaio perdido
Pelas elevações insinuantes
Do seu corpo, o mais
Deslumbrante acidente
Geográfico, no qual
Fui eu a única vítima.
Nesses sonhos, professora,
Eu corria feliz por
Colinas maliciosas e me
Perdia sorrateiro
Pelos deliciosos mistérios
De cavernas infinitas.
Deslizava suavemente por
Vales perfumados e me
Aquecia no deserto cálido
Do seu ventre acolhedor.
Acordava com a minha costa
Banhada pelo oceano de meu suor.
Você foi uma ilha, professora,
Cercada de eu por todos os lados.

Em História,
Aprendi a proclamá-la
Meu primeiro grande descobrimento.
Ao atracar minha caravela,
Aspirei uma brisa fresca e
Senti o seu aroma.
Eu não sabia exatamente
O que estava descobrindo.
Mas ao perceber que
Meu coração disparava e
Meu rosto ficava
Tal qual cor de brasa
Decidi chamá-la de Amor.
Com isso, abdiquei de meu trono
De um distante reinado infantil e
Passei a viver em
Regime de escravatura
Onde eu fui um moleque
A espera de uma princesa
Que assinasse minha abolição.

Se eu tivesse aulas de
Astronomia
Com certeza aprenderia a
Vê-la como um sol,
Em volta do qual eu viveria
A orbitar em insistentes
Movimentos de translação, me
Transformando em dia, me
Transformando em noite, me
Transformando em um
Astro perdido e apaixonado,
Vagando pelo Universo
Infinito do Amor.


Mas sabe, professora,
A lição mais importante
Que eu aprendi com você
Foi a de que o amor,
Longe de ser um anjo
Atirando flechas,
É de fato um sujeito oculto
Nos becos da vida à espera
De sujeitos indeterminados
Para assaltá-los e envolvê-los.
Foi muito estranho para mim
Esse amor, professora!
Quando eu esperava que
Ele se apresentasse
Com a simplicidade de
Uma tabuada do dois,
Ele chegou de repente
Como uma equação insolúvel.
Quando eu pensava que
Ele fosse um planalto ondulado,
Onde eu pudesse correr livre,
Ele se mostrou um abismo
Com escarpas pontiagudas
Que me feriram o coração.
Quando eu julgava ser o amor
Um pássaro de belas plumagens,
Ele veio a mim como uma
Ave de rapina, cujas garras
Alçaram-me para longe.
Quando eu decidi ser o amor
Meu primeiro grande descobrimento,
Achei que estava aportando
Numa terra de homens livres.
Enganei-me e reduzi-me
A condição de escravo.

Hoje, professora,
Depois de tantos anos,
Eu continuo sendo
Um sujeito oculto
Sem nenhum predicado.
Mas você, embora já
Esteja pelos corredores da
Eternidade, continua
Sendo o termo essencial
De todas as minhas orações.
Minha equação, até hoje,
Continua insolúvel
E eu nunca mais consegui
Sair daquele
Abismo profundo.
Ainda sinto as garras
Afiadas e rapinantes a
Cravarem-me todo o corpo
E já perdi as esperanças
De algum dia aparecer
Alguma princesa para
Assinar a minha abolição.


Agora só me resta ficar,
Todas as tardes,
Sentado neste banco de praça
Atirando resíduos de
Lembranças às minhas
Amigas pombas.
Minhas mãos trêmulas
Que, um dia escreveu
Poemas pra você, professora,
Hoje, artríticas, não
Conseguem aparar
Este resto de vida
Que insiste em escoar
Pelo ralo do tempo.

Uma folha de planta
Empurrada por este
Vento de outono
Vem cair aos meus pés,
Trazendo-me doces e
Amargas lembranças.
Dobro a minha velhice e
Apanho a folhinha do chão.
"Sua folha caiu, professora!"
Digo olhando para o céu
Na inútil esperança de vê-la
Em algum supletivo celeste
Dando aulas para anjos atrasados.
... como o tempo passa, professora!
Ah! Esse vento de outono
Que agora balança o
Meu cachecol e
Uiva baixinho em
Meus ouvidos me
Faz lembrar um
Sussurro suave da
Morte a me avisar
Que ela está por perto.


Pois que venha!
Meus braços cansados
Estarão abertos para
Recebê-la com a mais
Extrema alegria.
Só assim poderei
Reencontrá-la professora e
Desta vez não perderei
A doce oportunidade de
Olhar em seus olhos e dizer:
"Como eu te amei, professora!"