quarta-feira, 6 de julho de 2011

* O MILAGRE DA VIDA





             Certa vez uma semente de Pitanga, jogada pelo vento na terra, olhou para o Sol e disse:
             ___ Sol... você que brilha no Universo, dando luz e calor para todos nós, continue brilhando para que eu possa brotar, crescer e ficar um Pé de Pitanga bem bonito e vistoso.
             Depois de um certo tempo, o primeiro broto do Pé de Pitanga saiu para fora da semente e cravou na terra suas primeiras raízes cresceu e se tornou uma plantinha de folhas bem verdinhas. O tempo passou e o Pé de Pitanga cresceu e se transformou numa bela árvore. Todos os dias ele agradecia a Deus por aquele milagre.
             Um belo dia, apareceram duas Borboletas e deixaram um ovinho em uma das folhas do Pé de Pitanga. Com o passar do tempo esse ovinho foi crescendo e, um belo dia, saiu de dentro uma Taturana cheia de pêlos e patinhas. Como tinha acabado de acordar, a Taturana estava morrendo de fome. Então ela olhou para o Pé de Pitanga e disse:
             ___ Pé de Pitanga... você que, todos os dias, recebe luz e calor do Sol e cresceu até ficar bonito e vistoso, deixe-me comer de suas folhas para que eu possa me alimentar e matar a minha fome.
             Então a Taturana começou a se alimentar das folhas do Pé de Pitanga. Cada folha era uma refeição apetitosa e ela comia, comia e se deliciava com aquilo. Comeu tanto, mas tanto, que ficou gordona, roliça feito um cabo de vassoura. Era bom comer e a Taturana, todos os dias, agradecia a Deus por isso.
             Certa manhã de Sol, quando gotas de orvalho ainda acendiam pequenas luzes nas folhas do Pé de Pitanga, a Taturana parou de comer para ouvir o canto de um bonito Sabiá, que havia pousado num dos galhos. O Sabiá entoou um bonito canto, cuja melodia parecia dizer:
             ___ Taturana... você que está bonita e forte porque comeu as folhas desse Pé de Pitanga, que recebeu a luz e o calor do Sol para crescer e ficar vistoso, deixe-me comê-la para que eu possa me alimentar e a meus filhotes e assim matar nossa fome.
             Rapidamente, o Sabiá prendeu a Taturana com o bico e levantou vôo em direção de seu ninho, onde filhotes esfomeados esperavam aquele delicioso petisco. Foi um banquete daqueles! Era bom comer e o Sabiá, todos os dias, agradecia a Deus por aquele milagre.
             Algum tempo depois, o Sabiá voou para as campinas em busca de alimentos. Era um campo relvoso, onde havia muitos insetos ótimos para a alimentação de um passarinho como o Sabiá. Estava ele voando aqui e acolá, quando de repente... rastejando lisa e silenciosamente surgiu na sua frente uma enorme Cobra. Ela fixou um olhar agudo e penetrante no olhar do Sabiá que, ao mesmo tempo que o hipnotizava, parecia dizer:
             ___ Sabiá... você que tem um canto bonito, que comeu a Taturana gorda e roliça, que comeu as folhas do Pé de Pitanga, que recebeu a luz do Sol para crescer bonito e vistoso... deixe-me comê-lo para eu me alimentar e matar a minha fome.
             Rapidamente abocanhou o Sabiá e saiu rastejando de volta para o seu ninho. Aos poucos e bem devagarzinho, a Cobra engoliu o Sabiá inteirinho e sentiu-se bastante satisfeita com aquela deliciosa refeição. Era bom comer e a Cobra, todos os dias, agradecia a Deus por aquele milagre.
             Passaram-se os meses e, com a chegada das águas, a Cobra achou que nos pântanos formados pelas cheias haveria muitos sapos para garantir a sua alimentação. Rastejou macia e silenciosa pelas touceiras alagadas quando de repente, de trás de um enorme tronco... surgiu rápida e certeira a mão calosa e de dedos fortes de Acauã. O Índio levantou a Cobra presa na altura da cabeça, imobilizando-a. Acauã notou o tamanho da cobra que serpenteava e sorriu. Seu sorriso parecia dizer:
             ___ Cobra... você que tem o olhar agudo e penetrante, que comeu o Sabiá que tem um canto bonito, que comeu a Taturana gorda e roliça, que comeu as folhas do Pé de Pitanga, que recebeu a luz do Sol para crescer bonito e vistoso... deixe-me comê-la para eu me alimentar e matar a minha fome.
             Ali mesmo, Acauã, com seu punhal, decepou a cabeça da Cobra e num corte preciso estripou-a, separando com a habilidade de muitas gerações o couro e a carne. Longe dos alagadiços, o Índio preparou um braseiro de bom tamanho e, com duas forquilhas compridas postas acima das brasas, esticou o couro da Cobra para secar.
             Acauã cortou a carne em pequenos pedaços e jogou-os sobre o braseiro. Com a ponta do punhal ia remexendo os nacos, espetando e comendo aqueles que já estavam assados. Às vezes, olhava para o céu acolchoado de nuvens e uma brisa fresca vinha soprar-lhe o rosto de bronze. De cócoras ao lado do fogo, Acauã mastigava lentamente sentindo-se feliz e saciado. Era bom comer e, olhando para o céu, Acauã agradecia a Tupã por aquele milagre.
             Depois de comer, Acauã decidiu voltar para sua tribo. Enrolou o couro da Cobra e pôs-se a andar. No caminho, o Índio encontrou um Pé de Pitanga com muitos frutos maduros. Encostou na árvore e comeu até fartar-se. Decidiu seguir seu caminho.
             De repente, um vento forte empurrou-lhe os cabelos negros e duros e uma voz, que vinha de todos os lados, de todas as matas, de todos os céus, disse-lhe:
             ___ Acauã... você que comeu a Cobra, que tinha um olhar agudo e penetrante, que comeu o Sabiá, que tinha um canto bonito, que comeu a Taturana, que era gorda e roliça, que comeu as folhas do Pé de Pitanga, que recebeu a luz e o calor do Sol para crescer e ficar vistoso... plante a semente desse fruto, porque assim virão muitos Pés de Pitanga, muitas Taturanas, muitos Sabiás, muitas Cobras e muitos Índios para se alimentar e matar a fome.
             Acauã fez o que foi pedido e, mais uma vez, olhou para o céu e agradeceu por aquele milagre.


(Publicado por Seed Editorial na coleção Contando Ciências de
Aurélio de Oliveira e ilustrado por Irineu Rodrigues)

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